Perfume.
O dia esperado, enfim, chegou. Sendo um
bom artesão e meticuloso engenheiro das essências, o artista já tinha tudo
preparado em sua improvisada oficina na gruta.
Levantou-se ainda de madrugada, aguardou
o dia clarear e, no frescor dos primeiros raios de sol, recolheu cuidadosamente
em sua cesta cada uma das raríssimas jóias que Deus havia criado.
Preparou então o perfume mais
extraordinário que jamais havia feito. Para armazená-lo, encomendou o mais
perfeito vaso de mármore e o selou de tal forma que pudesse transportar o
valioso tesouro de volta ao seu país. Era tão extraordinário aquele perfume
que, mesmo contido no vaso de mármore maciço, exalava distintamente seu aroma.
No caminho, próximo à cidade de Betânia,
o perfumista passou por uma mulher que imediatamente se sentiu atraída pelo
perfume exalado do vaso, que ele levava cuidadosamente atado ao lombo do
seu burrinho. Explicou ela que procurava algo especialíssimo para alguém que
amava acima de tudo e de todos.
Tendo procurado por todos os mercados de
Jerusalém, e ainda nas caravanas dos mercadores que cruzavam os desertos da
Judéia, nada havia encontrado que pudesse ser comparado àquele perfume. Pedia,
portanto, veementemente, que lhe fizesse o preço que desejasse, para que ela
pudesse presentear a quem tanto amava.
O homem explicou tudo quanto sucedera
desde que deixara seu país em busca das raízes de aroma eterno, frisando que a
raríssima planta nascia uma única vez por ano e, portanto, não teria nenhuma
chance de retomar seu trabalho em curto prazo. Ao ouvir isso, a mulher
respondeu:
— Se apenas uma vez por ano podes colher
as preciosas raízes, pagarei de bom grado um ano de salário pelo perfume!
Desejava ela presentear alguém a quem
realmente amava acima de tudo e de todos. Aquela disposição de pagar tão
vultoso preço despertou no perfumista sua curiosidade, pois ela nem de longe
parecia ser nobre ou rica. Certamente pretendia ela presentear algum juiz que a
livrasse de ser condenada, ou algum imperador que lhe pudesse retribuir
favores, concluiu o homem.
— Permita-me perguntar: a quem se
destinará este presente, pelo qual pareces disposta a pagar muito mais que tuas
posses permitem? Por acaso é um imperador, um juiz ou um general do exército,
de quem necessitas de algum favor? — disse-lhe o perfumista.
Humildemente, ela respondeu:
— Não, senhor perfumista. Aquele a quem
quero dar este presente não tem nenhum título; jamais viveu em castelos e nunca
foi rico. Fazendo o bem e amando aos pobres, tornou-Se odiado pelos poderosos.
Tem percorrido toda a nossa terra a curar os enfermos e a consolar os que
choram. Nunca recebeu sequer um presente, e também nunca exigiu coisa alguma.
Se vieres comigo, eu te mostrarei Aquele de quem falo.
Aquele gesto tocou o coração do velho
perfumista. Ora, quem mais ele poderia encontrar que tivesse tamanho amor, a
ponto de pagar o equivalente a um ano de salário para presentear alguém que não
fosse importante para os homens?
Assim se foram pela estrada, caminhando e
conversando, o perfumista e a mulher. Ao longo da viagem, o homem se
maravilhava ouvindo as mais lindas histórias de amor.
A maneira pela qual a mulher falava
contagiava seu coração.
Ao chegarem ao local onde estava Aquele
de quem a mulher falara, o homem se juntou aos que O ouviam e percebeu que
aquelas palavras eram de Deus.
Quando a mulher lhe solicitou que
permitisse usar o perfume, ele imediatamente atendeu. Ela adentrou a casa
decididamente e partiu o vaso de mármore, derramando o perfume sobre a Sua
cabeça, espalhando no ar aquele aroma celestial.
O perfumista pôde perceber que
comentários se seguiram e não entendeu alguns que consideravam o ato um
desperdício, alegando que o perfume, se vendido, poderia angariar fundos para
os pobres. Ouviu também o Mestre dizer-lhes:
— Por que vocês afligem esta mulher? Ela
praticou uma boa ação para comigo. Os pobres, sempre os tendes convosco, mas a
mim não me haveis de ter sempre.
Derramando ela este ungüento sobre o meu
corpo, fê-lo preparando-me para o meu sepultamento. Em verdade vos digo que
onde quer que este Evangelho seja pregado, em todo o mundo, também será
referido o que ela fez, para memória sua.
O velho perfumista estava maravilhado;
ele jamais ouvira ensinamentos tão belos. Adiou sua viagem e ficou hospedado na
casa daquela mulher, chamada Maria.
Dois dias mais tarde, chorando, viu o
Mestre ser crucificado no monte onde havia a gruta com forma de caveira, na
qual, algum tempo antes, colhera as preciosas flores. O
corpo d’Ele estava terrivelmente
machucado e com muito sangue, mas ainda assim era possível sentir o aroma do
perfume, trazido pelo vento daquela tarde fria.
Lembrou-se então do que Ele dissera, que
o gesto de Lhe ungir com o perfume seria pregado para sempre, e entendeu que
seu sonho de obter o perfume de aroma eterno havia se realizado.
Esta lenda, meu amigo leitor, apenas nos traz
outra vez o aroma daquele perfume. O aroma que lembra a incompreensão daqueles
que ainda criticam as ofertas que o povo de Deus traz ao Senhor Jesus; muito
mais ainda lembra o gesto e o amor daqueles que não vêem preço para que nossas
ofertas sejam, hoje, o perfume que prepara a ressurreição do nosso Senhor na
vida daqueles que não O conhecem.
Autor: Bispo
Marcelo Crivella